sábado, 12 de novembro de 2011

Tudo que é bom vicia.

Carta Capital, 04 de março de 2003
Sócrates



Tudo que é bom vicia.





O que faria se recebesse de presente uma passagem de primeira classe para o lugar que você bem entendesse? Aceitaria? Creio que quase todas as pessoas responderiam que sim. Mas é importante ter em conta que este tipo de presente pode provocar grandes dores de cabeça no futuro. É que o que é bom vicia. Se tu não tens condições de compra-la com teus próprios recursos é bom que penses bem antes de aceitar. Como se adaptaria novamente a viajar na cozinha do avião. Todo espremido, sem lugar para colocar as pernas, vizinho de uma pessoa inquieta e falante e agüentando eventualmente o mau humor das comissárias? É, não seria nada fácil. Depois daquela mordomia toda! Pois isso acontece em tudo que fazemos. Um Presidente da República, por exemplo. Passa anos e anos sendo paparicado o tempo todo. Dezenas de auxiliares não o deixam passar nenhuma dificuldade. Tem carros a disposição, aviões para viajar quando quiser, cozinheiros de primeira, etc..Não deve andar nem com carteira. Dinheiro passa a ser supérfluo. Aonde vai, a porta está sempre aberta. É uma mordomia só. Os problemas aparecem quando ele deixa o cargo. Volta a ser um cidadão quase comum. Deve dar uma ressaca daquelas. E a saudade do Palácio? Deve ser insuportável. Principalmente para aqueles que gostariam ou se sentem reis. Não é à toa que tem gente que se mata para não perder os privilégios. 
Quando vamos a um restaurante gostamos de ser atendidos com atenção particular, ter sempre um garçom a se preocupar com o nosso bem estar, apreciar um bom prato e um vinho de uma safra especial. Mas temos consciência que estes são eventos especiais e não nos tornamos dependentes deles. Se isso não for verdade estaremos em maus lençóis. Todos nós conhecemos algumas figuras que não vivem se não estiverem fazendo parte das fofocas semanais e se não forem convidados para festas de fachada e fotos de revistas. A própria disseminação destes programas de televisão cujo único motivo é ficar bisbilhotando a vida dos outros é um bom parâmetro da realidade atual. Participar deles passou a ser um sonho para muita gente. Atrás da fama, de novas oportunidades, da grana em jogo ou de qualquer outro motivo. É o símbolo atual. O porém é o que vem depois quando tudo acaba --quando dá a meia-noite e a Cinderela se vê descalça e maltrapilha. Ao contrário do conto, em geral, a coisa termina mal. Muito mal, aliás. No futebol, por culpa da notoriedade natural do meio, as condições são ainda mais perversas para quem não sabe digerir centenas de estímulos diários que nos tentam até o extremo de nossas capacidades. Quase tudo dependente do paternalismo endêmico que assola esta estrutura. Parecido com o dos políticos em geral que já nem sabem bem como fazer uma reserva aérea ou uma compra banal pois há sempre alguém a fazer por ele. 
Voltando à história do bilhete de primeira classe, imaginem jogar uma final de campeonato ou uma partida de Copa do Mundo e logo depois enfrentar um campeonato vagabundo, num campo horrível e sem público. Não é fácil manter o profissionalismo nestas condições. Mesmo que tantos insistam en dizer que é igual a qualquer outro, este é o pior jogo para se jogar. Não dá a mínima vontade de participar. Todo mundo gostaria de escapar de uma dessas. Uma vez fui jogar em uma capital do norte onde não há tradição no futebol. Era o último jogo do ano depois de quinze dias fora de casa, campo em péssimas condições e time adversário de qualidade limitada. Tudo contra. O primeiro tempo foi de dar dó. O jogo se arrastava. O público que acorreu à partida, mesmo sem conforto, até que se comportou bem, mas que o que estava assistindo era de péssima qualidade, não tenho dúvidas. No intervalo resolvi animar um pouco a partida. Passei a só jogar de calcanhar. O que era um desafio absurdo passou a ser o espetáculo do evento. Todos passaram a reagir cada vez que tocava na bola. No final, tive minha única chance de gol. Estava fora da área, mas a saída estabanada do goleiro me deu a oportunidade. O problema era acertar com o calcanhar. Virei-me todo, quase caí e arrisquei. A bola fez uma curva maravilhosa e entrou no meio do gol adversário. Foi o gol mais bonito que fiz. Tudo por culpa da precariedade da situação.  

Liderança

Como é que pode sobreviver uma equipe sem líder, sem comando? É o que percebemos no time atual do Corinthians. Outro dia, depois de uma substituição, notamos uma reordenação na colocação dos zagueiros que me pareceu incoerente com tudo aquilo que tínhamos visto até ali. Não demorou nem um minuto para que a formação anterior se restaurasse sem que tivesse sido orientada pelo banco de reservas. Um claro caso de iniciativa (positiva) de quem estava em campo que porém não foi assumida por ninguém. Muito menos pelo capitão da equipe que me parece, além de ser tecnicamente um dos jogadores mais discretos da equipe, não possuir ascendência sobre os demais e muito menos um caráter adequado para tal. O Corinthians de hoje não tem referencia. Não tem quem dirija seus passos, não tem quem cobre sua postura. É um time muitas vezes sem alma, sem vontade de vencer; acomodado naquilo que já fez e sem coragem de buscar mais e melhor. E de uma tristeza que volta e meia se apresenta para desespero de seus integrantes. Ora, não dá para fazer arte sem alegria, sem liberdade, sem prazer extremo. Quando o sentimento é esse, melhor nem tentar, porém em futebol não dá para escapar ou fugir dos compromissos; não dá para marcar hora ou esperar que a inspiração se apresente. É necessário estar sempre pronto para realizar aquilo a que propôs sem pestanejar, sem ter a mínima dúvida de que pode e deve faze-lo. E, pior, com a agravante de trabalhar junto ao público que principalmente no caso corintiano, cobra e muito a postura da equipe e os resultados decorrentes. Uma verdadeira pedreira que não é para qualquer um. 
O que é definitivo e absolutamente fundamental é que exista um líder que assuma esta responsabilidade. 
Há vários tipos ou arremedos de liderança. A que menos funciona é que aquela induzida, extemporânea que tenta fazer com que alguém sem o minimo de tendencia para esta função se apresente para fazer este papel. É a escolhida de cima para baixo sem se dar conta que liderança é um cargo de confiança determinado pelos liderados e jamais uma imposição. É claro que em futebol este exemplo se repete sempre que se contrata um treinador; o que nem sempre ocorre é uma resposta coerente com o que se espera por parte dos jogadores que comanda. O que não é possível acontecer é a escolha de um capitão de equipe que não represente seu papel em campo; que não seja respeitado como deveria por seus companheiros. Tudo isso depende da forma e do contexto em que ele está inserido. Este comandante contratado, o mais das vezes não consegue se tornar um líder. Sendo ali colocado por uma decisão de terceiros, como é o caso do futebol, geralmente cria conflitos com quem trabalha. No mínimo, jamais será uma unanimidade. Sempre haverá quem se ache desprezado ou menosprezado por ele. Muito pior é se o treinador acreditar que é mais importante que qualquer dos seus jogadores; se achar mais importante e fundamental. Então, para ser aceito ainda que temporariamente por seus comandados ele se transfigura em algo que não é o que é facilmente perceptível pelos demais mesmo que ele mesmo não perceba. Esta realidade neste meio é mais endêmica do que se pode imaginar. 
Um líder de verdade deve ser ouvinte não falante, deve ser cordato e assumir todas as responsabilidades maiores; deve ser aquele que bate o pênalti no ultimo minuto e que briga pelo coletivo e nunca por ganhos pessoais. O líder autentico tem que ser o melhor, o exemplo; o que protege seus liderados, que enfrenta as dificuldades resguardando os demais. Jamais fugir das responsabilidades tentando transferi-las e suportar toda e qualquer crítica que se faça ao ambiente em que está inserido. Deve ser o esteio, a fortaleza onde os outros podem se sentir seguros e protegidos. Deve encaminhar o time para o lugar correto que lhes ofereça mais possibilidades de sucesso, deve exigir posturas compatíveis com a expectativa de todos. Deve respeitar as diferenças e muitas vezes estimula-las e torna-las de conhecimento solidário para que as potencialidades possam emergir sem limitações. 
Um líder não pode ser fraco ou omisso; não pode ser negligente nem apresentar imperícia naquilo que faz. Não pode deixar que as coisas andem sem o seu dedo demarcando o caminho a seguir. Não  pode ser um impostor tirano que agride, oprime e destrói aqueles que devem ser tratados com carinho e afeto para que possam ter desempenhos adequados para que um time chegue à vitória final. Por fim, cuidado com os falsos líderes. Eles são um perigo. 

sábado, 5 de março de 2011

Cofres, Copas e Conchavos.

Carta Capital, 01 de março de 2011
Sócrates

Cofres, Copas e Conchavos.

Dinheiro público em pauta.


Quando o presidente da CBF afirmou que a Copa do mundo brasileira seria da iniciativa privada só acreditou quem jamais passou perto de qualquer evento esportivo nacional. É praxe, é claro, é tendenciosa toda sorte de objetivos declarados ou não pelos donos do nosso esporte. Quando lá atrás, inventou-se a primeira candidatura de uma cidade brasileira para sediar a olimpíada, várias empresas investiram pesado para bancar a preparação do pleito. No entanto, com a derrocada do sonho nem mesmo uma prestação de contas foi feita para dar respostas aos parceiros de então. Quando da primeira pretensão em trazer uma Copa do mundo, elaborou-se um caderno de encargos de dar vergonha a qualquer brasileiro ainda que ele tenha custado um caminhão de recursos.
Desta vez não poderia ser diferente. Um estudo do Tribunal de Contas da União demonstra que quase 100% dos gastos previstos de 23 bilhões de reais (que certamente no final das contas será ultrapassado e muito) virão dos bancos e empresas estatais (BNDS, CAIXA ECONOMICA FEDERAL e INFRAERO, por exemplo). Parece até que não existe iniciativa privada neste país continental e uma das maiores economias do planeta. Mas para quê ela vai colocar dinheiro na mão de quem não cuida do seu próprio dinheiro? Eu e o país inteiro sabemos onde ele será enterrado (?). O pior é que as obras na maioria dos estádios não andam ou estão lentas demais. Isso sem contar que (com honrosas exceções) o planejamento viário, hoteleiro e demais itens fundamentais para a viabilização do evento estão longe de atender a demanda imaginada. Além, é claro, erros de projeto e execução, atraso nas licitações que invariavelmente ocorrem só para que o cofre se abra sem muito controle da população como no pan-americano do Rio de Janeiro.
E os atletas?  Esses, nem se fala. Estão com o bolsa-atleta atrasado como se um indivíduo para correr, nadar, pedalar, treinar enfim, não necessitasse de recursos para se vestir, morar, alimentar-se, etc.. Uma bela preparação para o próximo pan no México e para a olimpíada de Londres em 2012 e no Rio de Janeiro de 2016.    


Puro preconceito.



Para que existe a Copa do Brasil? Aparentemente é só uma cópia piorada das Copas que se perenizaram nos países europeus e foram exportadas mundo afora. Normalmente estas competições servem para integração das diversas regiões do país e das diferentes potencialidades de clubes e municípios que se espalham por todo o território. Clubes grandes e tradicionais visitam rincões onde raramente são vistos a não ser nestas ocasiões já que disputam torneios diferentes e a capacidade econômica dos centros distantes das capitais financeiras da nação não possuem capacidade de contratá-los para eventuais amistosos. Só por este motivo deveriam existir estas tais Copas. Entretanto, no Brasil apesar de haver o encontro destas diferentes culturas e realidades os times do sertão, do semi-árido, do interior da Amazônia e outros são impedidos de mandarem seus jogos em suas cidades e respectivos estádios transferindo-os para agrupamentos humanos maiores num claro componente discriminatório ou, no mínimo, de intolerância. Com isso esvazia-se o processo filosófico destas competições que passam a ser apenas um desfilar de equipes do sul e sudeste em busca de uma vaga em torneios continentais. Como dizia o poeta: e se o sertão virar mar? Aí então a lógica transformará o sertanejo em potência econômica e os papeis se inverterão. Mas quem hoje está preocupado com isso? Que se danem os pequenos, pensa a maioria. Infelizmente, esta é a lei nacional que um dia espero desaparecerá para o bem de todos. A nação agradecerá.   


Jogo e golpes.

A disputa sobre os direitos de televisão para os próximos campeonatos brasileiros implodiu o clube dos treze. Com o aval e provavelmente intensa ação de cooptação de vários clubes por parte da antiga e monopolista instituição e da esperta desfaçatez da Confederação de futebol a organização já não tem mais como se manter nos moldes anteriores. O objetivo é que a licitação não aconteça e as negociações já iniciadas (muitas já contratadas) sejam individuais numa clara tentativa de desrespeitar órgão tão importante como o CADE e resgatar o velho monopólio. Se eu fosse a TV Record estaria atento aos passos do oponente e antecipado os acordos com Ceará, Bahia, São Paulo, Atléticos e outros. Teríamos assim um impasse que traria para a mesa de negociação quem quiser participar.


Incoerência e insensibilidade

Agora, 03 de março de 2011
Sócrates

Incoerência e insensibilidade.


A Libertadores até agora tem se tornado um fiasco para muitos clubes brasileiros. O Corinthians não conta: caiu antes mesmo de chegar a disputá-la já que os jogos contra o Tolima determinaram somente quem iria seguir em frente. Mesmo assim foi um tremendo fracasso que causou inclusive a saída de alguns jogadores contratados a peso de ouro. Fluminense e Santos, principalmente o primeiro, correm riscos enormes de desclassificação depois da rodada do meio de semana. Mas o que me chama mesmo a atenção é a fome com que os clubes brasileiros estão determinando o preço dos ingressos nesta competição. É um absurdo, uma extorsão e que causa uma elitização dos presentes no estádio já que aqueles que possuem menor poder aquisitivo não são contemplados em nenhum momento. Existe aqui uma falta de sensibilidade que produzirá conseqüências danosas em um futuro não muito distante já que a arrecadação de um clube depende do público que possui e este não está sendo renovado; pior: está sendo maltratado de forma vil. Por que não estipular preços diferenciados nas diferentes localizações do estádio? Assim todos teriam a mesma chance de acompanhar os jogos do seu clube. Outra coisa: por que os ingressos para o campeonato brasileiro são tão mais baratos? Será que um Santos e Corinthians ou um Flamengo e Fluminense vale menos que Cerro e Santos? Há aqui uma incoerência do tamanho da insensibilidade dos clubes.   

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

o jogo começou, mas as cartas ainda estào na manga

Alguns clubes brasileiros comovidos (ou, quem sabe, contratados) pela dona do futebol brasileiro associada à CBF, agem para implodir o chamado clube dos treze. Organização esta que serve para muito pouco, mas que no caso específico da nova realidade quanto aos direitos de transmissão do campeonato brasileiro poderia influenciar o nescedouro de uma nova estrutura liberta do poder opressor e corruptor da acima citada dona do nosso futebol. Implodindo o clube dos treze estarão abrindo as portas para que a determinação do CADE que acabou com o monopolio vire fumaça. Se alguém algum dia ouviu falar de insurreição, falsidade ideológica ou algo comum a estas atitudes saiba que este é O caso. Caso nada se faça contra esta anomalia, o direito brasileiro estará mais em cheque do que já está. Talvez um cheque-mate? Flamengo, Corinthians e outros jogam para que o monopolio continue. E burros como são receberão muito menos do que valem, porém alguns individuos receberão muito mais do que valem suas palavras.     

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Direito de resposta!


Carta Capital, 19 de janeiro de 2011
Sócrates
Direito de resposta.

Devido a alguns comentários raivosos em relação ao texto publicado na primeira semana deste ano (guerra e paz), resolvi comentá-lo. E começo pelo fim: Se transformarmos os objetivos políticos em econômicos e sociais (literalmente: em 1936 tentou-se esconder o genocídio; aqui tentaremos esconder problemas sociais e econômicos; a comparação de ideologia política em momento algum foi colocada; até porque seria absurda) poderemos muito bem imaginar o que deverá acontecer em nosso país em 2016.
Guerra fria, guerra dos seis dias, guerra sangrenta, etc. Existe toda sorte de adjetivos para caracterizar a mais absurda das ações humanas (ou será que alguém discorda?). Mas as guerras nem sempre são fruto de determinações destemperadas geradas em mentes insanas (às vezes os motivos são puramente imperialistas e/ou militaristas como a nossa ditadura). Eu sei, eu sei que este tipo de análise jamais provocaria um sentimento, digamos, contemporizador na cabeça da maior parte dos cérebros privilegiados. Às vezes utilizamos este termo para definirmos uma forma de atingirmos, ou de uma sociedade construir, uma nova ordem que restabeleça uma relação mais sã entre seus constituintes. Por si só já está implícito, neste ponto, um gigantesco conflito. Talvez devêssemos encontrar uma forma mais pura e palatável para exprimirmo-nos. Seria muito melhor. Infelizmente nossas limitações nos empurram para contrastes nem sempre fáceis de entender (um passeio pelo que compreendo como o pulsar humano)......
Mas guerra é guerra. Existe até guerra santa! Sempre há uma causa e um ideal ainda que desumano. E tudo em círculo, sempre vicioso. Napoleão em sua excentricidade queria tudo. Queria o mundo. E bateu-se com o Czar russo. Lá, no norte do planeta, existiam muitas das maiores reservas de petróleo e grãos. No entanto, como Tolstoi nos mostrou em “Guerra e Paz” foi por motivo menor que a guerra acabou sendo proclamada. Napoleão se negou a retirar suas tropas quando instado a isso.  (recordação histórica)
Já os alemães saíram desolados de uma grande guerra para entrar em outra; bem pior. Levaram ao poder o homem que pregava contra o tratado de Versalhes, solução encontrada para a busca da paz na Europa e contra o povo judeu. Defendia a pureza da raça ariana. Os nazistas queriam acabar com os judeus que tentam exterminar os palestinos que sonham destruir a América que ajudou a derrubar Hitler. Desculpem, não tenho nada contra nenhum destes povos. Até porque estas decisões sempre foram de gabinete, estimuladas por interesses específicos e executadas por tristes soldados que nem sempre sabem o porquê (outro passeio histórico).
A mesma Alemanha foi escolhida para sediar os XI jogos olímpicos em 1936 em plena realidade nazista tendo Adolf Hitler à frente. Queria-se mostrar ao mundo o crescimento do país e esconder suas mazelas (eventos deste porte são o mais das vezes utilizados para maquiar alguma coisa). Talvez em alguns aspectos (percebam o cuidado com o “talvez”) vejamos semelhanças com o que ocorrerá no Rio de Janeiro em 2016. Tudo foi feito para causar a melhor impressão possível. (ou aqui será diferente?) A Vila Olímpica construída era impressionante: 140 casas em meio a um bosque emolduradas por um lago onde cisnes nadavam suavemente. O momento era propicio para que Hitler pudesse divulgar os princípios nazistas e tentar justificar-se sobre o que falavam em relação ao tratamento dado ao povo judeu. Assim, toda e qualquer alusão a judeus alemães ou visitantes foi evitada tanto pela imprensa como pelo próprio regime durante a realização dos jogos (deveremos em 2016 ver algo parecido com a ECO 92 onde tivemos que mobilizar o exército para controlar os problemas da cidade). Berlim foi praticamente restaurada em seus principais pontos maquiando-se assim a realidade que existia até ali. Quando do pleito alemão para sediar os jogos haviam garantido que os judeus não seriam excluídos do time olímpico alemão, conseguindo com isso varias adesões que culminaram com a escolha de sua capital. O objetivo era claro: sublinhar de maneira impressionante a propaganda alemã de superioridade da raça ariana (outra viagem pela história real).
Agora me digam onde foi que comparei o regime nazista com a realidade brasileira. Se fossem quarenta anos atrás, até que teria alguma lógica, mas hoje? Para quem não leu e não entendeu o comum aqui é que Berlim fez uma olimpíada e nós poderemos ter a de 2016. E como lá, aqui esconderemos nossos problemas para debaixo do tapete (cuidado, é só uma inofensiva metáfora!); o pior cego é aquele que não quer LER.



Exclusividade

Carta Capital, 16 de fevereiro de 2011
Sócrates
Exclusividade.

Não sei como é agora, mas provavelmente pouca coisa deve ter se modificado de lá para cá. Quando estive vivendo na Itália, algo que me chamou a atenção foi o destaque que a mídia dava a praticamente todos os esportes e não só ao futebol ainda que este fosse o mais popular. Em cada edição jornalística tomávamos conhecimento do que acontecia no pólo aquático, nos esportes de inverno, no ciclismo, nas lutas, na esgrima e por aí em diante. Esta cultura que não privilegia uma determinada especialização desportiva traz grandes vantagens para determinada sociedade. Todos nós sabemos dos benefícios que o esporte, em particular os coletivos, nos oferece como a possibilidade de socialização das crianças ainda em tenra idade, no desenvolvimento psíquico e físico e na promoção de saúde além de ser uma importante ferramenta educativa em todos os sentidos. Pois quando uma nação divulga, estimula, e promove a prática de vários tipos de esporte ela está possibilitando a que cada cidadão possa encontrar com mais facilidade algum em que se reconheça, tenha afinidade e algum talento para seu exercício. Assim, esta mesma sociedade estará utilizando em sua plenitude os benefícios do esporte, pois a imensa maioria dos seus estará praticando algum tipo de atividade física.
Esta semana li uma história que muito diz desta realidade nacional. A história de Tim Mazzetti é igual a de muitos brasileiros ou não. Em um período que muito se discute as nacionalizações em vários esportes para que atletas possam disputar uma olimpíada ou um mundial, poderíamos imaginar que este americano que aportou por aqui aos dois anos de idade com sua família que para cá veio trabalhar e no Brasil ficou por muitos anos e só retornou ao seu país de origem para estudar e jogar futebol americano na faculdade para posteriormente se tornar profissional de muito sucesso, um dia pudesse defender nossas cores em um suposto campeonato mundial desta modalidade; caso este esporte fosse tratado como qualquer outro e divulgado como se faz em outros países. O mesmo se deu com uma menina filha de pais coreanos chamada Ângela Parker que hoje faz parte do circuito mundial de golfe e que compete sob a bandeira brasileira o que seria motivo de orgulho dos brasileiros caso alguém por estas plagas tomasse ciência. Infelizmente só mesmo os praticantes deste esporte e que não são poucos devem saber disso.
Tudo isso gera um desinteresse por outros esportes que não o futebol quando poderíamos ter milhares de praticantes naqueles menos badalados o que só nos engrandeceria em todos os aspectos. No pólo aquático, por exemplo, há ou houve uma excelente iniciativa na periferia de Santos utilizando-se uma piscina pública que estava abandonada e que frutificou rendendo além de lazer e atividade física para os moradores do local alguns excelentes atletas que chegaram até a defender a seleção brasileira da modalidade. Será que não existem brasileiros que se interessam por outros esportes? Será?   

Final de carreira.

Final de carreira. Hora de por a cabeça no lugar, dar um tempo, pensar bastante para não fazer bobagem. Se durante toda a carreira esportiva choviam ofertas de esplendidos negócios, caiam dos céus inúmeros profissionais para se oferecerem como sócios de discutíveis empreendimentos dos mais diversos, agora isso pode se multiplicar. Hora de no mínimo se qualificar para administrar bem o que foi conquistado durante os anos anteriores para que não dilapidem o patrimônio. Hora de ter paciência e bom senso na definição do quê e para que fazer. Buscar ler muito, estudar alguma coisa, se possível uma universidade onde encontrará juventude, conhecimento e informação que farão com que se sinta mais seguro nos passos que dará dali em diante.
Hora de se adaptar a uma nova situação social, novas rotinas de vida, algo mais real, mais humano, mas nem por isso menos importante. Hora de esquecer o personagem que encarnou ou pelo menos não mais dele depender no cotidiano. As portas que antes sempre estiveram abertas gradativamente vão se fechando caso não apresente qualificação suficiente para ultrapassá-las. A dependência sempre será em relação à sua importância social e não será a eventual riqueza adquirida; esta jamais comprará este passaporte e sim a representatividade que poderá conquistar com as novas empreitadas. Amigos serão os que disserem “bem-vindo ao mundo dos humanos” e oferecerem colo quando necessário. 

O Corinthians é diferente.

Carta Capital, 09 de fevereiro de 2011
Sócrates

O Corinthians é diferente.

Jogar no Corinthians é diferente. Não é como uma paixão adolescente descartável tanto quanto as certezas que possuíamos naquele período. É amor inconteste, é a alma gêmea com a qual sonhamos desde que a testosterona toma conta do nosso ser. Jogar no Corinthians é respeitar uma cultura, uma povo, uma nação. É ter em conta que em cada segundo de nossas vidas que ali estamos é para servir a uma causa e não para dela usufruir. Jogar no Corinthians é como ser convocado para a guerra por mais irracional que ela seja; e jamais duvidar que ela é a mais importante de todas as que existiram. Jogar no Corinthians é ser sempre chamado a pensar como Marx, lutar como Napoleão, rezar como o Dalai Lama, doar a vida a uma causa como Mandela e chorar como uma criança. Chorar de puros sentimentos daqueles que arrepiam ao simples tocar da pele; chorar de raiva inexplicável quando sabemos que somos mais fracos e impotentes. Jogar no Corinthians é sermos como todos os que nos assistem, é sentir a dor lancinante de estar longe dos que amamos, é ter certeza que ali, em campo, representamos muitos que lutam cada segundo para sobreviver no mais inóspito mundo onde são a todo o momento agredidos, massacrados e cuspidos naquilo que imaginamos seja o que é viver.
Jogar no Corinthians é ter coragem de enfrentar a massa, de colocar a cara para debater, discutir e explicar. Jogar no Corinthians não cabe passeio, não cabe relax, não deixa dormir. É uma honra infinita e como tal exige respostas, exclama respeito e compromisso. Jogar no Corinthians é saber o que é ser brasileiro, é por um teto no teto do mundo sem saber se amanhã seus filhos estarão vivos, é alimentar uma família e a si mesmo com um mísero tostão, é andar horas, séculos, milênios em vagões imundos e porcos sem que uma única voz se levante para nos proteger ou ao menos nos defender. Jogar no Corinthians é ir ao banheiro mais sujo do mundo por amor a uma bandeira.
Jogar no Corinthians não permite fugas, esconderijos, falsidades. É necessário ter coragem de representar o que de mais rico nós temos e de apresentar mais que atestado de bons antecedentes uma declaração de que a honraria é válida ainda que por poucas semanas. Jogar no Corinthians não é suar só a camisa; é sangrar até a morte; é parar de respirar quando uma derrota nos derruba sem direito a desfibrilador algum; é nunca rir da desgraça que provocamos (até porque jamais saberemos o tamanho dela).
Jogar no Corinthians é colocar alma e coração antes do bolso ou do futuro; e colar o supercílio com uma cola qualquer quando ele se mete a chorar de dor vermelha como o timão que carregamos no peito. Jogar no Corinthians é adormecer com o filho querido; é sentir o pulsar de seu pequeno coração, é abreviar a dor quando ela se estabelece; é saber o que é sociedade no pleno sentido da palavra.
Espera-se de quem joga no Corinthians uma postura altaneira e respeitosa; uma correção de conduta em relação aos anseios do povo que lá os coloca, endeusa, acaricia e tudo lhes dá para que possam retribuir na única coisa que ele pode exigir nesta pátria que cria tantos párias para que sirvam de mocambos de poucos e que nada mais podem pretender. Jogar no Corinthians exige um sentimento de brasilidade, de reconhecimento da extrema miscigenação existente nas arquibancadas, em cada mesa de bar, nos ônibus lotados de suor e sofrimento para que se consiga responder às questões básicas colocadas na camisa alvinegra. Ser corintiano é, como disse o extraordinário Toquinho, “ser um pouco mais brasileiro”. Eu, por outro lado, digo: negro e branco construindo uma nação. Nada se compara ao Corinthians nesta terra chamada Brasil. Aqui japoneses, árabes, mongóis, siberianos, italianos, bolivianos—além dos nordestinos--e até originários de Estados rivais se irmanam, dão-se as mãos, sofrem em comunhão e gritam em êxtase a cada vitória por menos importante que seja como se cada vizinho fosse mais que irmão, que pai, que mãe; ou quem sabe ele seja realmente um representante de suas famílias distantes ou ausentes inventando uma nova e substituta, formando uma gigantesca rede de genomas humanos com o mesmo DNA. Muitos não entendem a reação da torcida, mas é a que conhece. Antigamente se jogavam ovos e tomates nas péssimas apresentações artísticas. Hoje jogam pedras, não nos artistas, e sim na falta de verdade na relação existente. E na instituição protegida pela armadura de um ou mais veículos e de uma guarda policial.            

Línguas e balaios!

Carta Capital, 21 de fevereiro de 2011
Sócrates
Línguas e balaios.

O futebol me ofereceu várias e importantes oportunidades. Convivi com a realidade social do meu país, curti seis anos de Corinthians que significam séculos de representatividade do meu povo e conheci todos os continentes além (o que é melhor!) de grande parte do Brasil e de suas inúmeras expressões sócio-culturais e políticas. Aprendi muito com estas experiências e espero que esteja respondendo adequadamente à responsabilidade de portar esta gama de conhecimento que me foi ofertada.
Porém devo confessar que sou um péssimo viajante apesar de adorar encontrar pessoas das mais diversas e com elas trocar energias e produto encefálico. Detesto qualquer ambiente desconhecido não pelo simples fato dele não ter estado ao meu alcance até então e sim por uma paúra inexplicável que carrego desde que me conheço por gente como se só o que fosse parecido com o útero materno me confortasse.
Além disso, tenho uma dificuldade intransponível com as diversas línguas que convivo. Invariavelmente misturo tudo no mesmo balaio o que geralmente torna impossível que alguém menos disponível a me escutar possa entender. Ainda não encontrei a razão para esta dificuldade já que domino o espanhol, estudei francês, entendo tudo do inglês e o leio com facilidade, vivi na Itália por um ano e em pouco tempo já pensava na língua deles o que faço até hoje com naturalidade. Entretanto, todas elas estão na mesma gaveta cerebral e é como se fossem milhares de peças que podem e devem se encaixar, porém com um manuseador que é um baita de um incompetente apesar de esforçado.  
Mas isso não me impede ou impediu de vasculhar cada cantinho dos locais que eu pude ou posso visitar. Principalmente quando me sinto impelido a acreditar que por lá passarei muito tempo. E foi o que ocorreu na Itália. Inesperada e surpreendentemente não tive dificuldades em falar o italiano. Talvez porque existe outro lado da minha personalidade que eventualmente contradiz tudo o que disse acima: quando me interesso por alguma coisa enfrento qualquer obstáculo e o enfrento com serenidade.
É que como tanta gente, apaixonei-me pelo idioma. Sua sonoridade, ternura e uma harmonia sem igual me fascinaram. Nunca fui de notar estas particularidades em língua nenhuma, porém como necessariamente deveria me comunicar nos meses seguinte desta forma não havia como não perceber.
E um detalhe me comoveu: a origem e suas nuances. Assim como o guarani é a única língua da América latina que se preservou de fato depois da colonização, o italiano como hoje o conhecemos tem uma história fantástica e fascinante. E uma íntima relação como Florença, onde vivi. Há bastante tempo a Europa possuía uma coleção de dialetos originários do latim que mais tarde se estabeleceram como italiano, português, espanhol e francês. Contudo, uma diferença entre o italiano e as demais é fundamental reconhecer. Enquanto aquelas se impuseram em função do poder político e econômico já que o espanhol é claramente o madrilenho, o português é o que era o lisboeta e o francês atual é fruto da evolução do parisiense medieval, o italiano não. Na verdade até meados do século XIX a Itália sequer era um país é sim uma sucessão de cidades-estado que se digladiavam o tempo todo controladas por príncipes (que geraram pérolas como a grande obra de Maquiavel) ou outras potencias européias. E até hoje os dialetos das diferentes regiões são utilizados quando se deve ocultar algo de alguém próximo. Sei bem o que é isso já que lá muitas vezes me vi boquiaberto por não entender nada do que se falava a minha volta. Voltando ao italiano, ele é fruto da insistência de um grupo de intelectuais do século XVI que achavam um absurdo não haver uma língua comum ainda que só na forma escrita e que fosse acessível a todos. E foi este grupo que produziu algo inédito ao escolher o mais bonito dos dialetos e o batizou de ITALIANO. E o encontraram na obra de Dante divulgada dois séculos antes. Isto é: o que eles decidiram é que o que seria considerada a língua italiana foi a linguagem pessoal do grande poeta. Logo Dante que havia surpreendido o mundo ao escrever não em latim, como era normal, e sim naquilo que acreditava ser o verdadeiro dialeto florentino falado nas ruas, inclusive Boccaccio e Petrarca, seus contemporâneos. Como podemos ver o italiano não nasceu dos dialetos romanista ou veneziano e sim da linguagem dantesca. Poético como ele só, pois nasceu de um dos maiores poetas da civilização ocidental.
Em tempo: paúra é o que entendemos por medo.        

Comprar um ídolo???

Agora, 17 de fevereiro de 2011
Sócrates
Comprar um ídolo????

Li não sei onde que o Corinthians pensa em contratar um ídolo. Não importa a fonte seja ela o jornalista ou a direção corintiana, mas quem quer que seja está redondamente enganado sobre esta relação para lá de diferente entre um público e uma “estrela’. Um ídolo assim como um líder não se contrata, empresta ou compra. Um ídolo como um líder é uma escolha única e exclusiva de um determinado público e não fruto de um processo ideológico. É uma conquista para poucos, não fruto de um investimento específico de uma empresa ou instituição. É necessário que este indivíduo represente este povo, responda por ele e por suas pretensões. Acabamos de acompanhar a debandada de alguns pretensos líderes de um grande clube paulista e este tipo de atitude não é  compatível com o papel de ídolo ou de líder. Quem se coloca nesta posição ou para ela é escolhido tem que saber que a responsabilidade é imensa e fraqueza nela não se encaixa. É fundamental uma relação de confiança, de respeito e representatividade plena. É necessária uma postura de ponta, estar à frente do time em toda e qualquer dificuldade, é colocar a decepção no seu devido lugar e utilizá-la como motor para renascimentos e reconstruções. É ser porta voz da equipe que comanda, é estar pronto a bater o pênalti no último minuto e colocar o tórax para defender os demais quando necessário. É ser diferente de qualquer outro mortal. É ser humano na plena expressão da palavra.