terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O Corinthians é diferente.

Carta Capital, 09 de fevereiro de 2011
Sócrates

O Corinthians é diferente.

Jogar no Corinthians é diferente. Não é como uma paixão adolescente descartável tanto quanto as certezas que possuíamos naquele período. É amor inconteste, é a alma gêmea com a qual sonhamos desde que a testosterona toma conta do nosso ser. Jogar no Corinthians é respeitar uma cultura, uma povo, uma nação. É ter em conta que em cada segundo de nossas vidas que ali estamos é para servir a uma causa e não para dela usufruir. Jogar no Corinthians é como ser convocado para a guerra por mais irracional que ela seja; e jamais duvidar que ela é a mais importante de todas as que existiram. Jogar no Corinthians é ser sempre chamado a pensar como Marx, lutar como Napoleão, rezar como o Dalai Lama, doar a vida a uma causa como Mandela e chorar como uma criança. Chorar de puros sentimentos daqueles que arrepiam ao simples tocar da pele; chorar de raiva inexplicável quando sabemos que somos mais fracos e impotentes. Jogar no Corinthians é sermos como todos os que nos assistem, é sentir a dor lancinante de estar longe dos que amamos, é ter certeza que ali, em campo, representamos muitos que lutam cada segundo para sobreviver no mais inóspito mundo onde são a todo o momento agredidos, massacrados e cuspidos naquilo que imaginamos seja o que é viver.
Jogar no Corinthians é ter coragem de enfrentar a massa, de colocar a cara para debater, discutir e explicar. Jogar no Corinthians não cabe passeio, não cabe relax, não deixa dormir. É uma honra infinita e como tal exige respostas, exclama respeito e compromisso. Jogar no Corinthians é saber o que é ser brasileiro, é por um teto no teto do mundo sem saber se amanhã seus filhos estarão vivos, é alimentar uma família e a si mesmo com um mísero tostão, é andar horas, séculos, milênios em vagões imundos e porcos sem que uma única voz se levante para nos proteger ou ao menos nos defender. Jogar no Corinthians é ir ao banheiro mais sujo do mundo por amor a uma bandeira.
Jogar no Corinthians não permite fugas, esconderijos, falsidades. É necessário ter coragem de representar o que de mais rico nós temos e de apresentar mais que atestado de bons antecedentes uma declaração de que a honraria é válida ainda que por poucas semanas. Jogar no Corinthians não é suar só a camisa; é sangrar até a morte; é parar de respirar quando uma derrota nos derruba sem direito a desfibrilador algum; é nunca rir da desgraça que provocamos (até porque jamais saberemos o tamanho dela).
Jogar no Corinthians é colocar alma e coração antes do bolso ou do futuro; e colar o supercílio com uma cola qualquer quando ele se mete a chorar de dor vermelha como o timão que carregamos no peito. Jogar no Corinthians é adormecer com o filho querido; é sentir o pulsar de seu pequeno coração, é abreviar a dor quando ela se estabelece; é saber o que é sociedade no pleno sentido da palavra.
Espera-se de quem joga no Corinthians uma postura altaneira e respeitosa; uma correção de conduta em relação aos anseios do povo que lá os coloca, endeusa, acaricia e tudo lhes dá para que possam retribuir na única coisa que ele pode exigir nesta pátria que cria tantos párias para que sirvam de mocambos de poucos e que nada mais podem pretender. Jogar no Corinthians exige um sentimento de brasilidade, de reconhecimento da extrema miscigenação existente nas arquibancadas, em cada mesa de bar, nos ônibus lotados de suor e sofrimento para que se consiga responder às questões básicas colocadas na camisa alvinegra. Ser corintiano é, como disse o extraordinário Toquinho, “ser um pouco mais brasileiro”. Eu, por outro lado, digo: negro e branco construindo uma nação. Nada se compara ao Corinthians nesta terra chamada Brasil. Aqui japoneses, árabes, mongóis, siberianos, italianos, bolivianos—além dos nordestinos--e até originários de Estados rivais se irmanam, dão-se as mãos, sofrem em comunhão e gritam em êxtase a cada vitória por menos importante que seja como se cada vizinho fosse mais que irmão, que pai, que mãe; ou quem sabe ele seja realmente um representante de suas famílias distantes ou ausentes inventando uma nova e substituta, formando uma gigantesca rede de genomas humanos com o mesmo DNA. Muitos não entendem a reação da torcida, mas é a que conhece. Antigamente se jogavam ovos e tomates nas péssimas apresentações artísticas. Hoje jogam pedras, não nos artistas, e sim na falta de verdade na relação existente. E na instituição protegida pela armadura de um ou mais veículos e de uma guarda policial.